segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A UNIVERSIDADE NÃO É UMA CARVOARIA

Hoje passamos a palavra ao professor Fernando Artur, Pro-reitor de extensão da UFPA.

Prof. Dr. Fernando Arthur de Freitas Neves
Faculdade de História/UFPA

O direito à educação tem sido enfatizado ao longo de décadas por gerações de professores inconformados com as diminutas opções aos filhos das classes populares. Hoje, a sociedade do conhecimento demonstra a alteração nas condições que se efetivam na vida daqueles que conseguiram atingir o ensino superior. Temos presente o imaginário ativado à época do resultado do vestibular quando as famílias, literalmente, se inebriam de prazer por ver cravado um dos seus entrando na universidade pública.
Fazem muitos dias de greve, é preciso dizer, o responsável foi o governo Dilma por ter sido incapaz de cumprir minimamente o calendário das negociações com apresentação de propostas claras sobre um baú de muitas reivindicações legítimas da categoria docente. Neste vácuo, a ansiedade encontrou caminho na adesão ao movimento paredista conclamando ao governo sair da passividade e apontar quais eram as alternativas para assegurar uma remuneração adequada, condições de trabalho e expansão do ensino superior público e gratuito.
Parte do movimento docente acreditava na possibilidade real de negociação graças ao histórico recente imprimido desde 2007, quando foi conquistada na mesa de negociação a incorporação das gratificações, as reposições salariais consecutivas entre 2008 a 2010 e o emparelhamento entre professores ativos e aposentados, contudo a confiança não se constitui em molécula cristalina, precisa constantemente ser bombardeada com valor capaz de lhe oferecer estabilidade, caso contrário o esforço pode erodir-se rapidamente como vimos recentemente quando a grande maioria dos docentes viu-se libertada daquela relação de negociação não efetivada.
O estado brasileiro têm dificuldades em reformar suas estruturas; acaba por ser acochado por muitos lados, isso fica evidente nas relações promiscuas interna corporis no poder judiciário para aumento de salários acrescidos de uns cem números de penduricalhos, ancorado na disposição da autonomia daquele poder para gerar gastos, independente do comportamento da receita dos impostos; procedimento análogo tomam outros poderes da república que distorcem profundamente as folhas de pagamento, chegando a criar a miragem de que se um motorista no senado pode ganhar R$ 9.000,00 porque não um professor com doutorado? Esta forma de tratar a questão não resolve nada, pois se considerarmos valida esta tese, teríamos de parabenizar o motorista por sua escolha em orientar-se para ser motorista frente aquele que fez opção pela carreira acadêmica.Devemos recusar os vícios do estado patrimonial segundo o qual a burocracia é capaz de reforçar suas posições a facilitar sua reprodução. É preponderante subverter esta característica assinalando o caráter público do estado por via da expansão das ações das políticas que promovem a distribuição solidária da riqueza penalizando os meios de concentração do capital responsável pela difusão da pobreza. Tarefa para mais de uma geração.
Manifestações de desprezo pelo REUNI causa repugnância em mim. Foi este programa agressivo do governo federal o responsável pela alteração da queda do número de matriculas nas IFES, reaparelhou laboratórios, construiu edificações novas e criou o Programa Nacional de Assistência Estudantil cuja tarefa é oferecer suporte financeiro e acadêmico para alunos em condições de fragilidade socioeconômica. Segundo o censo de 2010 do MEC/Inep, as públicas duplicaram o número de matrículas em 10 anos, perfazendo um total de perto de 1.000.000, ainda estamos longe de um patamar representativo ante as muitas necessidades estratégicas de nosso país; as aproximadamente 5.000.000 de matrículas na rede particular estão relativamente estabilizadas. Não é possível crer ser dispensável essa contribuição da rede de ensino privada para formação universitária como sugerem algumas proposições ingênuas, tanto quanto o argumento casuísta dos já ingressos na universidade federal para aqueles que ainda não entraram nesta mesma universidade esperem até ela resolver todas suas deficiências para então acolher novos postulantes.
Sobre o perfil salarial dos professores universitários em França, constata-se que este gira em torno de R$ 7.600,00 mensais, portanto estamos em situação realtiva a este patamar; obviamente essa é uma comparação grosseira, alguns dirão de mau gosto, pois nossa produção acadêmica não serve para equiparar-se aquelas estruturas e tradições; o sistema público de saúde e educação francês funciona em melhores condições em relação ao sistema brasileiro. O acordo assinado pelo PROIFES assegura para março de 2013 um salário para o professor adjunto 1 de R$ 8.600,00, considerando que a maioria da categoria no país encontra-se nesta situação, e todos, absolutamente todos, desde o auxiliar até o titular foram contemplados, portanto esta é a melhor performance nos últimos 20 anos. Os percentuais de reajuste ao longo dos próximos anos seriam entre 13% e 32%, em março de 2013; 19% e 36%, em março de 2014; e 25% e 44%, em março de 2015.
Convém lembrar a aflitiva situação internacional a qual estamos atados e é compreensível a prudência do governo federal, independente das classes trabalhadoras não terem contribuído para crise financeira somos atingidos por muitos de seus reflexos. Meus colegas professores (só tenho três) na Europa vivem intranquilos com o alto grau de demissões nas universidades, mas eles só comprovam o que está impresso nas estatísticas. Émile Zola exclamava em seus escritos qual a responsabilidade dos operários com a especulação financeira dos ricos a punir com salários mais baixos e desemprego para os últimos não perderem seus luxos? Nenhuma.
O governo deixa a desejar no confronto ao grande capital, a esquerda foi tímida na propositura de transformar a especulação em investimento concreto nas forças produtivas e continua a validar o sistema produtor de mercadorias apesar da monumental crise, como resultado temos a permanência da sociedade de consumo que assegura reprodução ampliada do capital via os mecanismos de endividamento para manter sua rentabilidade. Este e outros receituários neoliberais alcançaram seu limite, alternativas fundadas em austeridade e corte de gastos só aumentaram a crise. Saídas mais ousadas como a apresentada por Sarah Wagenknecht, da esquerda alemã, cujo cerne é a redução das dívidas ao limite de 60% do PIB geraria um confronto aberto com o sistema financeiro, porém será preciso muito mais aliados para sustentar este campo. A resposta ortodoxa os gregos já vivenciam, mas diante de tantas chantagens e medos preferiram mais um arrocho. Devemos apostar no quanto pior melhor?
Estamos mais distantes da hegemonia neoliberal, mas esta não foi afastada. Recentemente no Congresso Nacional a proposição dos recursos alocados em educação fossem assinalados como investimento e não como despesa foi derrotada, caso obtivéssemos esta posição os recursos da educação deixariam de ser provisionados para formação do superávit primário para amortização do pagamento dos juros da dívida e teríamos fortalecido a constituição do capital de conhecimento necessário para aprofundarmos a oferta de oportunidades às classes populares. Devemos persistir no aumento do consenso sobre quais alternativas de outro mundo é possível.
Obviamente o horizonte continua sendo a equiparação da carreira de Ciência e Tecnologia para os professores do ensino superior público, entretanto é premente conceber táticas de efetivo movimento para postasse melhor na relação de forças no processo de negociação, o arquétipo paredista não traduz a intervenção contundente e necessária para conquistar objetivos legítimos. Ao ponto em que estamos às radicalizações costumeiras, como ocupações de prédios públicos e a hostilidade crescente contra colegas que recusam o pensamento único não agregará um único valor à greve, tão somente confirmará um caráter sectário. Ao invés de caçar o “inimigo interno” deveria perguntar-se como viabilizar a insatisfação dos professores para tornar intensa a práxis política.
A dor dos pobres não nos é desconhecida, no entanto, a insatisfação com o salário da universidade não deve ser equiparar a indignidade, isso fragiliza o conteúdo da reivindicação.
Os técnicos da universidade entraram em greve depois dos professores, e conseguiram a proeza de terem retornado ao trabalho com ganhos graças à clareza de objetivos; as defasagens foram minimizadas nesta mesa de negociação, aproveitando as sinalizações dispostas pelo governo, sem cair na tentação do tudo ou nada.
Isso é válido para os professores. Querem alguma vitória? Ou querem nesta única batalha derrotar o governo e o capitalismo?

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