Motivo prá comemorar?
Só tenho prá xingar
Este texto foi publicado na revista eletrônica ViAmazônia do Intituto de Arte do Pará, IAP lançada em Julho de 2005. O IAP era dirigido pela Regina Maneschy e o Bibas dirigia a revista. Jatene governador.
Perfeito de Belém: Edimilson Rodrigues.
O Secreotário de Economia: Bordalo.
O Ganzer, vice-mais-que-perfeito.
Não importaM as circunistâncias.
A história é a histérica mesméria, mesmisse.
PRÁ FRENTE OU PRÁ TRÁS.
Por isso lá vai de novo, o agora rebatizado:
BBB: BELA BOSTA BELÉM
O Bibas me convidou prum samba 1
[do crioulo doido 2]
EU VOU...!
Por que não? 3
O tema do enredo:
A gostosa Belém de outrora 4: de Bruno de Menezes ao Buraco da Palmeira.
E esse samba vai para: 5
Gilberto Gil
Pro Ministério das Cidades
E pro secreótario Costuralo.
Vamos ao samba:
O enredo: contar os descaminhos da cidade: da gostosa Belém de outrora à desastrosa Belém de agora, iconificada no buraco.
O desafio: fazer cruzarem-se os destinos do poeta, do buraco e do autor que também quer se imiscuir na história.
Um conselho: deixar de lado a ilusão de que é possível inovar nas fórmulas narrativas; usar uma dessas receitas consagradas pelo uso.
No meio do caminho desta vida me vi perdido num mato escuro, solitário, sem cachorro e sem saída.
Ah, como armar no ar uma figura
desta selva selvagem, [urbe suburbana]
dura, forte, [suja e sem sorte]
que, só de eu a pensar, me dá paúra? 6
Não me recordo ao certo como achei-me no buraco recém-inaugurecido, reburaquisado, requalificado de buraco novo, neoburaco, new boorako, buraco requentado, maquiado, buraco quasedesburaquisado, quase-quase-não-buraco.
Buraco esquisito este!
(Mas ainda buraco).
E lá no buraco negro, no buraco fundo, no fundo do buraco, ou nem tanto, na beira, à beira do buraco enxerguei perto algo que se movia, parecendo uma touceira silenciosa.
Era noite.
Ao ver aquele vulto no deserto, “Piedade!”, gritei, “ouve os meus ais, sejas tu uma sombra ou homem certo!”
“Homem fui”, respondeu-me, “não sou mais”; moravam no Jurunas meus progenitores 7, à beira do Guamá cresci.
“Então, és tu Bento Bruno, o poeta negro, o poeta da negritude, o poeta da caboclidade, aquela fonte que expande de eloqüência um largo rio?” — perguntei-lhe, baixando humilde a fronte.
Embatucados, ficamos ele e eu com o que víamos e com ver-nos ali, à beira-buraco plantados 8, perguntei-lhe se não podia mostrar-me de Belém as entranhas para que como aqueles que nas vísceras vêem o que virá, víssemos o que para Belém viria.
Te guiarei quanto antes pelos fundos desvãos do sítio eterno, através desta fratura [fenda-greta-rachadura] na semântica da cidade.
A princípio te mostrarei o que o buraco era antes de buraco ser, para veres como outrora fora o lugar buraquisado:
E falou:
Agora
vamos entrar na sala do Mundo Verde.
Faz de conta que chegamos
à Cidade do Sol e da Chuva,
cercada de águas crioulas e corredeiras,
coberta de árvores gordas de sombra espessa. 9
Ao longe ouviu-se uma voz, era o filho do velho Pedro, Pedro também, contando a volta do pai em sua diária e mesmária 10 passagem pela Palmeira pré-buraquecida.
Mas logo um cheiro de paz
vem dos fornos da Palmeira.
A morte tuteia o prédio
que vai ser assassinado.
Mas não agora.
Mas não enquanto viver
o velho Pedro. Não. Nunca.
Vasta, sólida e tão frágil
a Palmeira ainda está viva
e faz pão pra nossa mesa. 11
Depois, o poeta conduziu-me pela terminal cloaca, seguimos pelas sinuosas vísceras de Belém, dali, de dentro e de baixo, víamos o que há muito víamos, mas agora víamos de dentro e debaixo e isso era absoluto.
Imerso no furor de um barulho amazônico,
No inferno, eu, surdo como um cérebro infantil,
Deslizava, enquanto os passantes em pânico.
Viam turbilhonar marés de ocre e anil. 12
Estávamos na primeira alça intestinal, que corresponde ao primeiro círculo infernal da comédia dantesca.
Dali, eu vi, as construções, as barraquinhas dos camelôs — as construídas de madeira cobertas de papelão ou lona preta de casa de invasão e as “padronizadas”, do secreotário, cobertas de lona azul.
Vi, vimos, os carinhos-de-mão cheios de coco; os carrões de madeira cheios de frutas; os carros de rolimã usados para transportar a mercadoria dos depósitos até as barracas;
Vi as barracas de vender comida revestidas de folha de alumínio, os botijões de gás, as churrasqueiras de janse de roda de carro, os fogareiros, os sacos de carvão, as lonas estiradas por sobre as barraquinhas de comida, as lonas cobrindo quase toda a rua e as cadeiras em volta das barracas.
Vi as televisões e os aparelhos de DVD para exibir os filmes que se vendem e os aparelhos de som para tocar os cd’s.
Vi os gatos de luz, os gatos de água, a água pingando pelas calçadas e escorrendo pelas valas levando os restos de arroz e vatapá e a gosma-goma de tacacá.
Vi —vimos— os isopores imundos usados para guardar refrigerante, água, cerveja ou coco gelados.
Vimos as bancas de jogo do bicho.
Depois, descendo ao segundo círculo, eu vi o sol baixar, sujo de horrores místicos, iluminando os longos túmulos glaciais. Como atrizes senis em palcos cabalísticos, ondas rolando ao longe os frêmitos de umbrais!
Vimos, as coisas, o que se mercadeja nas ruas da cidade do Pará. Apareciam organizadas em planilhas eletrônicas que eram constantemente atualizadas e acrescidas de novos itens.
No terceiro círculo/alça:
Vi fermentarem pântanos imensos, ansas
Onde apodrecem Leviatãs distantes!
O desmoronamento da água nas bonanças
E abismos a se abrir no caos, cataratantes!
Eu vi, as pessoas, os marreteiros e ambulantes, seus parentes e ajudantes.
Vi transeuntes, vi compradores, vi mendigos e pedintes, eu vi um ex-integrante da juventude comunista bebendo cachaça de granada e que também mendigava.
Vi meninos malabaristas, sorrindo enquanto esmolavam.
Eu vi os donos das mercadorias.
Vi os donos dos depósitos e das lojas.
Vi contrabandistas e atravessadores, muambeiros e intermediários.
Vi os seguranças: os seguranças dos depósitos, dos donos das mercadorias, dos contrabandistas, dos atravessadores.
Vi seguranças ameaçando camelôs.
Vi os donos dos depósitos cobrando aluguel dos donos das mercadorias.
Vi barnabés com coletes afogueados.
Vi o chefe dos barnabés e os chefes de seu chefe.
Eu vi o chefe da suprema chefatura nos jardins da alcaidaria.
Vi ambulantes fazendo manifestações.
Vi serventuários da alcaidaria que diziam: Para negociar é preciso criar uma associação.
Vi os camelôs criando uma associação e elegendo, com a ajuda dos barnabés, um presidente cujo ideário era o mesmo do chefe dos funcionários.
Vi o presidente dos ambulantes assentando novos vendedores, esses todos seus amigos.
Vi o fiscal da exatoria ameaçando camelô que não lesse por sua cartilha.
Vi o fiscal da exatoria cobrando propina para deixar o novo marreteiro ficar.
Vi o representante dos ambulantes subornando o funcionário da exatoria da intendência.
Vi o presidente dos ambulantes e o funcionário da intendência bebendo com o laranja do dono das mercadorias, em seu escritório camuflado; acertavam novos assentamentos.
Vi o dono das mercadorias jantando com graúdos xerifes da alcaidaria que, com lágrimas nos olhos, 13 aceitavam doações para a Escola Mico.
Vi o dono das mercadorias ligando pra São Paulo, dizendo para seus fornecedores: Está tudo bem.
Vi o dono das mercadorias ligando pra Foz do Iguaçu e dizendo para seus fornecedores: Está tudo bem; melhor não pode ser. 14
Vi os fornecedores de São Paulo perguntando: Quantos containeres a mais?
Vi os fornecedores de Foz do Iguaçu perguntando: Quantos containeres a mais?
Vi os fornecedores de São Paulo e Foz do Iguaçu ligando para todo mundo e dizendo: Everything is going really well.
Vi os exportadores chineses, malaios, japoneses perguntado: Quantos containeres a mais?
Na quarta alça viária:
Conheço os céus crivados de clarões, as trombas,
Ressacas e marés: conheço o entardecer,
A Aurora em explosão como um bando de pombas,
E algumas vezes vi o que o homem sempre quis ver!
Eu vi como o dinheiro circula dentro da rede veloz. 15
Vi que o pouco $ que saia da mão dos que compravam, por pouco tempo ficava na mão do vendedor.
Vimos que na mão do vendedor, uma parte virava o mole do pessoal da a$$ociação, outra o jabá do fi$cal da exatoria, outra $$ ia para o dono do depó$ito, a maior parte $$$$$ para o bagulheiro, o senhor da mercancia, dono da$ mercadoria$$.
Vi, vimos, que nas mãos do dono da$ mercadoria$$$ chegava muito desse pouco que sobrava na mão do camelô. Mas como eram muitos os que davam pouco, acabava muito $$$$$$$ nas mãos do que pouco recebia de muitos. O senhor da mercancia pegava o seu $$$$$, pagava funcionários bem graduados da alcaidaria $$$ e mandava grande parte $$$$$$ para São Paulo e para o Paraguai $$$$$.
Vi, que lá se pagavam os fabricantes daqui $$$$$$$ e os do resto do mundo $$$$$$$ $$$$$$$. Que pagavam os banco$$$$$$$$$$$$$$, que ficavam com a maior parte $$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$, a parte do leão.
Vi como o capital imobilizado em mercadoria na mão do marreteiro se transformava em capital novamente, se movimentando e voltando para a mão do dono
Vimos o dinheiro real virando virtual. Capital financeiro flúido fluindo fugindo seguindo pela onda luminosa da Internet 16. Chegando no paraíso, na bolsa de Xangai, de Rongue Congue, entrando no Dow Jones.
O capital volátil,
O capital paralelo,
Do governo paralelo
Dos reais senhores do mundo.
Vi o alto comando da rede capilar que tudo suga deixando só a putrificação 17, o bagaço, o buraco de rato.
Vi como eles têm fome de cidades e como se satisfazem comendo ruas, comendo avenidas, bebendo praças, roendo as calcadas, comendo as esquinas....
Suor + sujeira + desumanização da cidade + exploração da mão de obra = mais valia, lucro, rendimento, spread.
Vi como são bobos os demagogos que pousando de herói, ajudam a roubar o sangue ralo da cidade em agonia enquanto o camelô segue comendo sua comida fria e suja.
No quinto [círculo] dos infernos,
Vi, vimos, que não tinha salvação para a cidade dominada pelo anão.
Foi então que resolvemos ofendê-la
Como não encontrássemos entre os palavrões um que fosse adequado para ofender nossa cidade, procuramos no Rio de Raivas e nos Anões do Haroldo Maranhão, nas maldições do Sermão da Epifania do Padre Vieira, nas admoestações de Felipe Patroni, na carta do Hélio Gueiros pro Lúcio Flávio, e não encontramos nenhum que satisfizesse.
Queríamos uma xingação tão definitiva como o pecado original capaz de marcá-la para sempre como uma mutação genética, um câncer hereditário que se transmitisse de geração em geração.
O anti-verbo que desfizesse aquilo que no princípio fizera o verbo
Uma despalavra, desorganizadora, devastadora, escrachada, caótica, caosipara [mãe do caos].
Pensamos em criar uma palavra como aquela que JaJo criara para descrever a queda do homem.
Bababadalgharaghtakamminarronnkonnbronntonnerronntuonnthunntrovarrhounawnskawntoohoohoordenenthurnuk 18
Criamos assim, esse palavrão:
anelapertantedicetrargolapolônioboscópioolhosimsenhôóorifícioritimbamucumbucapitoásdecopasopradoroscofiofófinfafiosquebrioco buraco zero do mUUUUndo.
Foi quando percebemos que a ofenderíamos melhor se em vez de xingá-la de baixo — o que vem de baixo não ofende — o fizéssemos de cima.
O poeta conduziu-me ao pináculo do templo 19 de Santana.
Ao contemplá-la, do alto, eu disse lembrando JaJo:
Dear dirty Dublin.
E o poeta, rindo, traduziu:
Bela bosta Belém.
E falou:
Conversa comigo "Formosa Belém" das vaidades que se foram...
Recorda os teus jardins, as tuas praças, a tua alegria irrefletida,
...
Eu e tu fomos burlados no entusiasmo da nossa esperança.
...
Foste a cidade imprevidente que adquiriste personalidade socialista.
Dormiste sob a fama dos teus jardins florentes, das tuas mangueiras frondejantes e hospitaleiras, dos teus prédios hermafroditas, das tuas ruas de antigamente...
A culpa é tua, cidade que apertas a mão a todo o mundo,
porque não viste que os teus amigos eram os poetas e os românticos...
...
Na loucura do Carnaval perdias o sexo e não tinhas dono...
Bebias as cousas caras que não sabias o que eram.
Vinha gente de todos os mares sentir o quanto amavas o ignorado...
O teu próprio poeta ficou como um pária coberto de estrelas!
Eu e os outros... Aqueles que te amaram porque eras de todos nós!
...
É que foste imprevidente, cidade das cousas elementares.
E hoje, quando os aviões cortam teus céus.
como peixes num aquário,
quando queres oferecer o teu encanto aos turistas belicosos,
ficas indecisa com pavor da solidão... 20
E continuamos a ofendê-la:
FILHA DE GRANDISSÍSSIMA
a - abre-abre, andorinha, ave
b - bagaxa, bagageira, balalaica, barca, BBC, bisca, biscaia, biscate, bregueira, broa
c - caçarola, carcaia, caridosa, catiroba, catraia, chandoca, chobrega, chuteira, cocote, cortesã, cotruvia, cróia, crota, cuia
d - dadeira, dama, decaída, doidivana
e - escrachada, égua estradeira, ervoeira
f - fadista, fardeira, findinga, frincha, fuampa, fubana, fuleira, fúnfia, fusa
g - gabirua, galdéria, galinácea, galinha, ganapa, gansa, geobra, gorete
h - hetaira, horizontal
i - iaca, ibiboca, ibijara
j - jereba, jerianta, jupira, juruveva,
k - katileia
l - léia, libélula
m - madalena, madama, maquininha, marafaia, marafona, maria-do-cais, mariposa, marmita, messalina, michela, militriz, minólia, minota, mosca, mulher da rótula, mundana
n - notívaga
n - orinéia, ostra
p - pataqueira, pécora, penga, perdida, perua, piguancha, pinica, piniqueira, piroqueira, pistoleira, polaca, prejereba, prima, puriba
q - quenga, querrenca
r - rabaceira, rameira, rampeira, rampideira, rapariga, rascoa, ratuína, reboque, respeitosa, rongó, run-run-run
s - surrubango, sutanha
t - taioba, tamanqueira, torta, transviada, traviata, trepadeira, tronga
u - uru, urubua, uruboa
v - vadia, vaqueta, vasculho, vigara, vigarista, vulgífara
w - warfarina, warranta, w.c
x - xandra, xerete
y - yá, yolete
z - zabaneira, zoina, zunga
ESTÁS IRREMEDIAVELMENTE afogada, açougada, amassada, amolada, assinada, balançada, beliscada, bicada, bimbada, bombada, borrocada, cargueijada, carimbada, chinchada, chinelada, chunchada, coisada, comida, cravada, currada, curtida, ferrada, varada, trumbicada, dada, derrubada, descarregada, desfolhada, emburacada, encaçapada, encangada, encestada, enforcada, engarrafada, entregada, esfolada, executada, faturada, ferrada, fufuqueada, furifada, furunfada, morta, moída, montada, nicada, papada, passada, perobada, piçada, pimbada, pingolada, pirocada, piticada, quebrada, rosetada, saravada, sassarimbada, traçada, transaciona, trepada, trombicada, trompada, trunfada, truqueada, xinxada, zongada.
E ainda assim, achamos que era pouco para ofender esta cidadezinha ratuína.
OBS: Nos ajude a xingar. Mande o seu palavrão para acrescentaremos ao nosso obecenedário. Use e abuse do recurso do anonimato.
duduada_8_anus_semdónempiedade_pelelitechulé_enólogadeesgoto_difedôsemieuropeu!
ResponderExcluirsai de retro satanás, que Belém é minha também e com ela do amor que fiz, os pessoal me faz chorar!
ai que cidade linda,
continuo a acreditar iludida,
que a esperança de que seja salva,
pelo pulsar dos que por ela seu sangue sangram e
seu fedor de aberta ferida,
do julgo, da miséria infinita,
lhe cravem a alma dos de alma maldita
valendo o sonho, o teu, o meu o nosso,
que o amor que tenho, pela memória não finda!
Ainda assim parabéns Belém! Te desejo a sorte de teres outras gentes no comando de tuas agonias e teus sonhos de ser o que nos faz feliz!
Taperebada
ResponderExcluirCopulada
ResponderExcluirAi se eu te prego!
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