domingo, 29 de abril de 2012

Belém é amaldiçoada?

"A Metafísica é uma consequência de se estar mal disposto" diz Alvaro de Campos.
Depois de mais de 24 horas tentando chegar de volta, fica-se, cara a cara com Bel, logo a indisposição, consequência, acude-me a Metafisica a engendrar explicações.

Quando se faziam as primeiras maudades, as primeiras crueldades, pequenas comparadas com as que depois se haveriam de fazer, seriam descuidos, como o desabamento do casarão da esquina da Dr. Assis com o Largo da Sé.
- Desabou a casa dos Souza Filho !
Foi lá que funcionou a gráfica que editava a revista a Semana. Alí, quando Ernestino tentando escapar à perseguição da sanha baratista escondera-se no forro do sotão, mas, uma velha táboa de velha se rompe, deixando de fora, à mostra, perna arranhada, pendurada.
Então os meganhas crau, levaram o bacharel. Patética, uma irmã, da janela gritava:
- Liberdade, viva a liberdade!
Outra, na outra janela, agitava o auriverde pendão e tremulante cantava o hino nacional.

Naquele tempo buscava-se no plano superior explicações para estas amputações, minha avó sempre achava que era maldição caída na cidade pelo que fizeram com o velho Lemos:

- Até uma semana antes Virgílio de Mendonça e toda a sua corja beijavam a mão de Lemos, um verdadeiro príncipe mulato. Foi naquele dia 30 de abril de 1912 que para mim, caiu esta maldição, quando incendiaram sua casa, queimaram tudo, os quadros, as obras de arte, a coleção de biscuit, os bronzes, a biblioteca, o piano.

O Velho ainda estava dormindo, só teve tempo de vestir um "robe du chambre" de seda e fugir pelos fundos do quintal.
(1)

A casa de Lemos depois de incendiada

Depois, o povão, sempre massa de manobra, atiçado pelos cabeças da conspirata caiu de pauladas, pedradas, e, suprema humilhação, dedadas, muitas dedadas.
O velho cambaleando passa onde estão amontoados Judas, Silvério dos Reis, Calabar, o domicílio (jamais casa, optei por um termo jurídico) de Vírgilio Iscariotes Mendonça, este desce até o humilhado, roto, mais farrapo que entendente Antônio Lemos e repete a cena do Getsemani, um gesto de afeto, um abraço, desta vez para convida-lo a entrar no canil onde habita.
Estamos na Dr. Moraes entre Nazaré e Gentil, não sei precisar o sítio da vileza, Lemos entra, estão quase todos aqueles que até a véspera se curvavam à sua chegada, riem galhofam, ainda o convidam a tirar uma fotografia.

Digno, Lemos é o único que encara o fotógrafo, os outros vacilam, escamoteiam, fogem, talvez presentindo que ali, celebravam não a tauromaquia do boi velho, a farra do boi-já-se-acabado, quase um boi-morto. Talvez se envergonham do papel de bandarilheiros, de picadores a sagrar Belém nesta, desde então, interminável urbemaquia.
(2)

Quando se contavam estas histórias, minha bisavó sempre repetia:
- O Quinho, (meu bisavô) no dia em que o Velho Lemos foi pegar o vapor para o Rio de Janeiro, foi o um dos poucos amigos que foi com ele até o cais do porto. Ficaram por baixo de vaias até o vapor largar.
Meus tio aparteou:
- Tinha razão o Semblano:

Terra de filhas-da-puta!

-Psiit, tem criança na sala!

Foi há muito tempo...
confira.

Sobre Semblano leia mais aqui.

1. Imagino o Dudu, deve dormir de cueca e camiseta da seleção brasileira da última copa, apesar da menina já ter lhe dado diversos pijamas de seda: Me agonia o barulho desse pano quando rossa! - Não é o cobre que faz o nobre).

2. A foto poderia ilustrar a História Universal da Infâmia do Borges.

Com citações de Manuel Bandeira e outras.
Os fatos são recontados com base em recordações da infância apoiados em datas para precisá-las

2 comentários:

  1. Quando, naquela eterna madrugada de 7 de Janeiro de 1835, a escumalha cabana invadiu Belém como se esta fosse uma casa de tolerância, não foi bem com placidez que trataram a nata lusófila da cidade; tampouco esqueceram de distribuir fartamente o quinhão de saravás aos que os apaludiram da orla, e aos maestros do coral do Brigue Palhaço.

    Por essas e outras que, num gesto de mão, digo aos algozes do povo: Me aguarde!

    Abraço.

    ResponderExcluir
  2. Na ocasião as chamas também lamberam a sede de A Província do Pará, o jornal de Lemos, onde hoje é o IEP, na Praça da República.

    Orlando

    ResponderExcluir