Matéria do Jornal o Público, assinada por Alexandra Lucas Coelho.
Leonardo Boff chega ao microfone e diz: "Hoje de manhã, na oração que faço, pedi um sinal a Deus: se o Oscar Niemeyer for ao encontro, é um sinal infalível de que a vitória está garantida."Sentado na sua cadeira de rodas, quase a desaparecer por trás da mesa, Oscar Niemeyer, 102 anos, sorri ao de leve. E o teatro levanta-se em peso, mais de mil pessoas: "Oscar! Oscar! Oscar! Oscar! Oscar!"
É um momento eléctrico.
"E não digo isso como retórica", continua Leonardo, o monge que no Brasil fundou a Teologia da Libertação. "Oscar Niemeyer vive o evangelho da solidariedade. Para ele, a solidariedade com os pobres e oprimidos é o sentido fundo da vida. Nunca está cansado, sempre está trabalhando."
Depois, Leonardo volta-se para trás: "Eu tenho aqui um anjo..." O anjo abre uma luz quando sorri: Chico Buarque de Hollanda. "É o anjo Gabriel que traz mensagem", diz Leonardo, passando-lhe o microfone.
Chico pega nele como quem ainda não se habituou ao palco: "Minha missão era ser papagaio de pirata..." Ficar no ombro de Leonardo sem falar. Mas Leonardo não deixou, e então Chico fala de Dilma: "Essa mulher de fibra, que já passou por tudo e não tem medo de nada, vai herdar o senso de justiça social, um marco do governo Lula, um governo que não corteja os poderosos de sempre, não despreza os sem-terra, os professores. Um governo que fala de igual para igual com todos, que não fala fino com Washington, nem fala grosso com a Bolívia e o Paraguai. E por isso é ouvido e respeitado como nunca antes na história desse país."
O teatro aplaude, em comoção. Chico ainda tenta dizer algo mais, mas desiste. Sorri aquele sorriso. "Agora o anjo pode voltar ao seu lugar", diz Leonardo.
Teatro com memória
O Teatro Oi Casa Grande, no bairro carioca do Leblon, tem memória de muitas lutas de esquerda, e segunda-feira à noite o palco foi-se enchendo de artistas e intelectuais à medida que plateia e balcão esgotavam rapidamente.
O actor Paulo Betti, o realizador Ruy Guerra e o encenador José Celso Corrêa (do mítico Teatro Oficina). As cantoras Alcione e Beth Carvalho (acabada de sair do hospital). Os músicos Alceu Valença e Wagner Tiso. Os escritores Fernando Morais e Eric Nepomuceno. Vários governadores e ministros, como o da Cultura, Juca Ferreira. Sambistas da Mangueira. Cirandeiras do Recife. Rappers da periferia.
Enquanto a sessão não começa, aparecem no ecrã apoios de Chico César e Gilberto Gil (que votou Marina Silva na primeira volta). O manifesto de figuras da cultura junta já 10 mil nomes, como João Bosco, Martinho da Vila, Luís Fernando Veríssimo, Francis Hime, Tom Zé ou Zeca Pagodinho, além dos presentes. Dilma vai receber ainda manifestos de advogados e de líderes religiosos, incluindo muitos bispos.
Lá fora chove, é de noite, e mesmo assim as muitas pessoas que não conseguiram entrar esperam para ver tudo no telão exterior. Cá dentro, plateia e balcão estão repletos, e há uma massa de gente em pé nas coxias e ao fundo.
E quando uma cadeira de rodas é empurrada até à frente do palco e nela vem a figura encolhida, minúscula, de Oscar Niemeyer, por todo o teatro se soltam gritos, e as pessoas levantam-se como se mal acreditassem no que estão a ver.
É o maior aplauso da noite.
São 20h45. Então Dilma entra para ocupar o lugar central. Mas há um lugar vago a seu lado, e na cabeça de todos está a mesma pergunta: e Chico?
"Não sabíamos que a receptividade ia ser tão grande", vai dizendo um dos apresentadores. "De qualquer maneira o Maracanã está para obras..."
Movimento no palco. O anúncio, enfim: "Chico Buarque de Hollanda!" E o homem que convocou tudo isto aparece, delgado, quase frágil, perante um teatro que o aplaude de pé, amorosamente.
Pela enchente e pela emoção, será o comício com que qualquer candidato sonha. Chico caiu do céu, trouxe com ele Oscar e Leonardo, e juntos chamaram toda esta gente. O que os move é a crença em Lula, como ficará claro nas palavras de Chico e de Leonardo.
A continuação da matéria pode ser lida clicando abaixo:
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