quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

PMDB: o cortejo do atraso

Leia a entrevista que Marcos Nobre concedeu ao Estadão.
Dá medo!

Marcos Nobre é coordenador do Núcleo Direito e Democracia, do Centro Brasileiro de Planejamento e Análise (Cebrap), Professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de 
Campinas (Unicamp), Nobre tem se dedicado ao estudo de um fenômeno singular
da cultura política brasileira, o “peemedebismo” – espécie de consenso
conservador, feito para acomodar todo o mundo e deixar tudo como está. 

*A primeira crise entre PT e PMDB já nos primeiros dias de governo o
surpreendeu?*
**
**Nem um pouco. Mas é bom distinguir o que é tendência de curto prazo do que
é mais longo. Todo governo que se instala passa por isso: se você lembrar a
composição da equipe do primeiro mandato do Fernando Henrique, em 1995, em
janeiro os ministros se xingavam em público. E a verdade é que Dilma foi
muito inteligente em usar Lula como escudo na negociação. Ao deixar circular
que foi ele quem “sugeriu” tais e tais nomes, emplacou na verdade os que ela
queria. A discussão de cargos é apenas uma primeira etapa. Nos próximos três
ou quatro meses é que vamos ver fechar o círculo central do poder. Aí, ou
Dilma terá repactuado sua relação com o PMDB ou terá sérios problemas em seu
governo. 
*O que achou da formação do ministério?*
** 
**Até agora, o perfil se parece com o do governo Lula 1: com peso muito
forte do PT. Minha impressão é que, cedo ou tarde, Dilma terá que entregar
ao PMDB o que ele pede. 
*A temperatura entre aliados subiu mais por causa da Funasa e dos Correios,
áreas historicamente apontadas como focos de corrupção. É por acaso?*
** 
**Nem um pouco. Quando Dilma disse querer pessoas com currículo imaculado
para esses postos, ecoava uma decisão política que tomou com Lula no fim do
governo. O fato de Paulo Bernardo ter ido para as Comunicações e Padilha
para a Saúde tem a ver com isso. Alguém tinha que controlar os Correios,
pois de lá saíram todas as crises do governo Lula, do mensalão ao caso
Erenice. Na Funasa, não estourou nada ainda. Mas o passado, com máfia dos
sanguessugas, etc, mostra que é área delicada. 
*O sr. escreveu um artigo em que diz estarem errados tanto os acadêmicos
tucanos, quando dizem que o Plano Real marcou um novo período da política
brasileira, quanto o cientista político petista André Singer, que aponta o
‘lulismo’ como novidade. Por quê?*
** 
**Porque há um movimento mais fundo na política brasileira, que vem desde a
redemocratização, e trava a polarização necessária para que o sistema
funcione. A democracia necessita de polarizações políticas consistentes, não
apenas episódicas. Durante a redemocratização, os militares conduziram a
transição. Havia, nos anos 80, uma pressão enorme da sociedade civil por
participação, mas não se criaram instituições que pudessem dar vazão a ela.
E passamos de uma situação de travamento total, com a hegemonia do PMDB,
para o cesarismo alucinado do Collor. Dois extremos. 
*Essa polarização não se recolocou em seguida ao impeachment de Collor?*
** 
**Sim, e foi o Plano Real, ainda no governo Itamar, que organizou isso.
Quando Erundina é convidada a participar do governo e o PT recusa, opta pela
oposição. Surgem dois polos que enfraquecem o ‘peemedebismo’. 
*O que é exatamente o peemedebismo?*
** 
**É uma cultura política que tem como características estar no poder –
igualar sobrevivência política com adesão a quem estiver no governo – e não
ter consistência ideológica, um discurso completamente anódino, que qualquer
um pode subscrever. É um sistema de gerenciamento de interesses no qual,
como ninguém formula nada muito precisamente, todo mundo pode entrar. Fazer
política dentro do peemedebismo significa receber direito de veto sobre
algumas questões: a bancada evangélica pode vetar qualquer coisa que diga
respeito à religião; a ruralista, questões relativas à terra; e assim por
diante. 
*Se o Plano Real criou uma polaridade que enfraqueceu o peemedebismo, por
que o sr. diz que o plano não representa novidade?*
** 
**Porque não superou o peemedebismo, apenas o reorganizou, produzindo a
polarização que durou alguns anos. De um lado, o PSDB e o então PFL; de
outro, o PT e seus satélites. Tudo que fica no meio é o peemedebismo, que
volta agora com força. 
*E os oito anos de governo Lula, trouxeram algo de novo em relação a esse
consenso conservador?*
** 
**O peemedebismo é extremamente conservador, como eu disse, pois você só
consegue fazer transformações desviando-se dos vetos. Quando um projeto vai
para o Congresso, tudo que for matéria de veto nem se discute, simplesmente
tira-se do projeto. Por isso Lula optou por apresentar políticas que podiam
até ser questionadas, mas não sofreriam veto – como o Bolsa-Família e os
aumentos sistemáticos no salário mínimo, que os tucanos consideravam
impossíveis. O combate à pobreza, contra o qual ninguém pode ser contra, é o
que Lula introduziu de novo no tripé de FHC: câmbio flutuante, superávit
fiscal e política de juros. 
*Então a frase dita por FHC, de que resta aos governos progressistas no
Brasil atuar como ‘vanguarda do atraso’, está correta?*
** 
**Fernando Henrique pegou essa frase do ex-ministro da Justiça de Sarney,
Fernando Lyra, que a disse da tribuna da Câmara, em 1986. É uma expressão
incrível. E de uma época em que, suprema ironia, Sarney é que era refém do
PMDB... 
*Essa cultura do peemedebismo vai além do partido PMDB?*
** 
**O PMDB é como se fosse a ponta do iceberg do peemedebismo. Este é um
fenômeno de longo prazo, que vai além da agremiação partidária. Para mim,
por exemplo, Aécio Neves é uma das maiores expressões do peemedebismo. O que
ele tem para dizer? Nada. Seu discurso é anódino e ele nunca tem uma posição
contra alguma coisa. Por isso é fácil imaginar que se o PSDB não deixá-lo se
candidatar à Presidência, Aécio vai procurar outra opção partidária. 
*A presença do PMDB no governo petista é comparável à do ex-PFL nos anos
FHC?*
** 
**O PFL aceitou a liderança ideológica e a direção de governo do PSDB. O
PMDB tende a ter o mesmo papel, mas até o momento não se submeteu. Por isso
digo que, ou Dilma consegue renegociar os dividendos políticos com o PMDB,
ou o partido não vai aceitar a liderança petista no governo. Veja que a
presidente elencou dois projetos prioritários para o seu mandato: erradicar
a miséria e fazer o plano nacional de banda larga. O acordo fechado entre os
dois partidos é que desses dois projetos Dilma cuidará de perto, sem
interferências – embora o PMDB possa até partilhar dividendos políticos. O
problema é que ela ainda tem uma Copa do Mundo e uma Olimpíada para
organizar, que poderão servir como matéria de chantagem por parte do PMDB. 
*Como esse acordo foi fechado?*
** 
**O padrão de relacionamento entre o PT e o PMDB começou no Ministério das
Minas e Energia, com Dilma. Quando a então ministra montou o Luz Para Todos,
a liderança, a formulação do projeto e sua implementação ficaram com ela –
mas o dividendo político, os louros do negócio, seriam dos prefeitos do
PMDB. Porque o que o PMDB quer é aquele pequeno serviço ou obra pública no
município que o prefeito da sigla possa vender como seus. Então, havia uma
certa divisão do butim. Em minha opinião, foi por isso que Lula escolheu
Dilma como candidata a sua sucessão: ele viu que ela era capaz de negociar
com o PMDB. 
*Isso não está parecendo tão fácil agora...*
** 
**Neste momento, essa divisão que funcionava está em causa. O que Dilma quer
é reestabelecer um tipo de relação com o partido aliado nos moldes da que
havia no programa Luz Para Todos. 
*Por que o sr. diz que, após o mensalão, as alianças que Lula formou
tornaram ‘quase impossível’ a vida de um oposicionista?*
** 
**Muitos dizem que o PSDB e o DEM não souberam fazer oposição a Lula. É um
engano, pois o problema é estrutural. Diante do predomínio desse centro
conservador, a polarização que tínhamos no Brasil durante os anos FHC só
funcionava porque havia um partido com vitalidade bastante para permanecer
na oposição por muito tempo, o PT. Quando ele vai para o governo e, após a
crise do mensalão, compõe com esse centro, enfraquece a polarização. 
*É isso que explica a permanência de Sarney na presidência do Senado, apesar
dos protestos da sociedade e da imprensa?*
** 
**Exatamente. Sarney é o símbolo do peemedebismo: tem doutorado,
livre-docência e titularidade sobre seu funcionamento. E esse predomínio do
peemedebismo pode levar a um fechamento do sistema político para a
sociedade. Veja a sucessão de crises e seus efeitos cada vez menores:
primeiro Collor é derrubado por impeachment, depois ACM e Jader Barbalho são
obrigados a renunciar, então Renan Calheiros deixa a presidência do Senado,
mas não renuncia e, por fim, Sarney nem sai da presidência nem renuncia. A
gente pode gritar quanto quiser porque o sistema está começando a se fechar
em si mesmo, está em divórcio muito grave com a sociedade. O que esse
sistema político diz? “Enquanto estivermos nesta bonança econômica podemos
dar uma banana para a relação com a sociedade.” Agora, uma coisa é fazer
isso com um líder popular como Lula mediando as demandas. Outra é com Dilma. 
*Dilma tem espaço para escapar desse arranjo que atrasa a modernização do
País?*
** 
**Que Dilma pode escapar, pode. Mas as opções que ela tem são muito
restritas. É provavelmente a presidente com possibilidades mais restritas
que já assumiu. Do ponto de vista político, as mãos dela estão acorrentadas.
E a verdade é que, hoje, o jogo não se dá mais entre governo e oposição: ele
migrou para dentro do governo. 
*O peemedebismo pode ser superado?*
** 
**Não por acaso, Lula saiu do poder dizendo que sua prioridade é juntar
lideranças para propor a reforma política. O ex-presidente não é a pessoa
mais indicada para encaminhá-la, mas ela é necessária. Temos de produzir um
sistema político que permita a polarização, no qual quem governa não seja
engolido pela peemedebização. Para isso, não há receita, mas é preciso que o
debate – da cláusula de barreira ao financiamento de campanha, por exemplo –
seja pautado por esse objetivo. Senão, vamos continuar em uma democracia que
patina, discute assuntos tópicos de maneira acalorada, mas não avança em
reforma alguma nem desenvolve sua cultura democrática. 

5 comentários:

  1. Há em algums meios acadêmicos o estranho hábito da cópia ipsis verbis de tudo aquilo que parece ser “intelectual e customizado” vindo de famosos centros universitários mundiais. É uma praga muitíssimo comum naqueles que costumam se ver como cientistas sociais ou cientistas políticos. Há algum tempo que o futurismo de fancaria, que sempre foi utilizado pelos thinks tanks militares, com seus conceitos de teatro de operações, por conseqüência, com vários cenários, faz estragos por aí.
    O autor da entrevista faz parte dessa entourage, a mesma que vê no peemedebismo(sic) uma nova concepção política por parte das oligarquias brasileiras. Enfim, de uma forma ou de outra, o objetivo é negar a realidade das transformações no seio do povo, que entende serem tais “cenários” e o “peemedebismo” a costumeira prática das classes dominantes para não perderem o poder, sendo que em alguns momentos, essas classes, seguidoras do conselho machadiano, podem até perder os anéis para continuarem com os dedos.
    Como se vê é algo tão antigo que já na época de Machado de Assis soía ter a mesma idade do mundo. Quanto mais se negar o avanço político das massas, mais sobrevida terão as oligarquias e seus interesses. Interesses que esses gentis intelectuais, solerte e indiretamente, defendem como algo muito sério e merecedor de cuidados. O mais grave é que diversos desses ilusionistas das ciências sociais têm a fantasia de se considerarem de esquerda.
    É sintomático que tenha a cara-de-pau de afirmar que o ex-presidente Lula não é a pessoa indicada para liderar uma campanha em favor de uma Reforma Política, embora não confesse, é evidente a sua vontade em dizer que essa é uma tarefa para as elites, para o meio acadêmico e as “forças vivas”do país (banca, indústria, comércio, agricultura e transnacionais), jamais para antigo torneiro mecânico e muito menos para o povo brasileiro. A questão central, não é nem a Reforma, mas a possibilidade dessa luta se transformar na convocação por uma Assembléia Nacional Constituinte Exclusiva e Aberta, quando, já num momento histórico bem distinto dos idos de 1987/88, o povo possa desejar a completa revisão daquilo que Kelsen chamava de a grundnorm. Esta é que a questão, o resto é puro ilusionismo fantasiado de ciência social.

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  2. O fato concreto é que alinhar-se ao petismo é uma coisa, já com forças do atrasado é outra. Sarney, por exemplo, até foi presidente e não fez nada pelo Maranhão, enquanto Lula para ter os votos desses para si e Dilma exigiu, como fez, a elevar o seu povo para outros patamares.

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  3. To muito desprestigiado!

    Nem o crédito pelo envio da entrevista eu mereço...

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  4. É que o filho e o pai sao uma só coisa.
    quem ve o pai ve o filho.

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  5. hehehe.

    És inteligente e liso que nem o filho...

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