Antecipando as comemorações dos 395 anos de Belém, o Diário do Pará, na edição deste domingo, publica uma série de matérias sobre a cidade, entre as quais uma entrevista minha.
Confira.
P: Belém completa 395 anos no próximo dia 12. Como o senhor vê a cidade hoje do ponto de vista urbano e arquitetônico? O que falta para que Belém se torne, de fato, uma verdadeira metrópole?
R: Para responder a isso precisamos contextualizar. Belém é uma das cidades “Reais” fundadas no Brasil. No tempo das capitanias hereditárias, o rei dava uma capitania para um nobre, que fundava a cidade, e quando essa cidade tinha um interesse para o rei, era chamada uma Cidade Real. A primeira Cidade Real foi a de Salvador, vindo em seguida o Rio de Janeiro, São Luís e Belém. Eram cidades estratégicas pela sua localização e pelas riquezas que geravam. Quando Belém se torna uma capital do Estado Português, vem para cá uma figura importante para nossa história, o Francisco Xavier de Mendonça Furtado, que governará o Estado, trazendo na sua comitiva o Antônio Landi. Isso em 1753. É quando são criados o palácio do governo, o quartel, o hospital Real e os conventos, a maioria projetada por Landi. Nesse momento, Belém se transforma na sede do poder político e todos os símbolos desse poder.
P: E que benefícios ficaram para nossa cidade advindos dessa época? Hoje estamos no mesmo patamar das outras chamadas ‘Cidades Reais’?
R: Acompanho o que acontece nas outras cidades nos aspectos urbanísticos e culturais e notamos que entre essas quatro cidades, Belém é a que está na pior situação. Não que nossa cidade seja menos dinâmica do ponto de vista econômico. Ocorre que todas as outras cidades elaboraram um plano estratégico para o seu desenvolvimento, o que não ocorreu em Belém. A primeira cidade que começou a trabalhar isso foi Salvador, com o complexo do Pelourinho. A cidade começou a ter uma importante presença no cenário cultural brasileiro. Esse plano mostraria o que a cidade quer ser, o que ela quer fazer com sua história e o que quer desempenhar. Fortaleza, por exemplo, que não tem uma importância relevante do ponto de vista histórico e até os anos 80 era uma cidade medíocre, hoje assumiu um papel estratégico entre as cidades brasileiras e até supera em importância, em alguns momentos, cidades como Recife. Hoje Fortaleza é um centro turístico de referência nacional, com voos diários de diversas empresas para o exterior. Temos que nos perguntar como poderemos ser a capital desse Estado e como poderemos pensar nossa história. O que falta hoje para Belém, desse ponto de vista, é se repensar como região metropolitana, que se perdeu na cultura da cidade.
P: E isso começa por onde?
R: Todas as grandes cidades que são sedes de regiões metropolitanas, como Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Salvador, tiveram que elaborar um plano de desenvolvimento metropolitano, que deve partir do Estado em co-autoria os municípios. Aqui, por uma série de questões políticas, isso não foi feito. O que fizeram foi ampliar o número de municípios dessa região metropolitana. Esse espaço é o mais dinâmico da economia do Estado. Dados de décadas passadas mostram que essa região era responsável por cerca de 50% do PIB. Se incluirmos aí a região de Barcarena, esse percentual é ainda mais elevado. Ou seja, a região metropolitana não é decadente, mas está sendo destruída pela falta de planejamento. Os problemas políticos fizeram com que os governos não conseguissem projetar um futuro para Belém, como ela poderia capitanear o Estado e que outras atividades poderia desenvolver autonomamente, como o Turismo Histórico, Cultural e Gastronômico, por exemplo.
P: Qual o principal problema de Belém hoje?
R: Além dos problemas econômicos e sociais que há décadas estão presentes, nos últimos quatro, cinco anos, o problema mais presente e que afeta a todos na cidade é o transporte e a circulação pela cidade. Belém também não pensou num sistema de transporte de massa, rápido, eficiente, limpo e que atenda a toda a população. O Via Metrópole é um projeto atrasado, concebido para uma Belém de 20 anos atrás e que não leva em conta as taxas de crescimento da cidade nos últimos anos e a nova classe média criada pelo governo Lula e a população de menor renda, que é a maioria. O fato é que circular em Belém virou um inferno! Hoje se leva mais de uma hora para se chegar ao trabalho em determinados pontos da cidade. Entre os sistemas viários do Brasil, Belém é um dos mais precários e o diagnóstico do Belém Metrópole mostra isso. Hoje, até Teresina, no Piauí, tem um sistema de metrô de superfície.
P: Em quanto tempo essa situação poderia melhorar e esses sistemas poderiam ser implantados?
R: Primeiro precisamos de um plano de transporte bem feito. Segundo, correr atrás de recursos, já que isso não poderá ser feito com recursos da cidade ou do Estado, mas sim federais ou externos. Isso demandaria, em termos otimistas, mais uma década, se tudo correr bem e não ocorrerem problemas políticos-partidários, o que acredito não mais ocorra. Acho que amadurecemos e se mostrarmos a necessidade do projeto, ele virá. Temos é que ter a iniciativa de fazer.
P: Parece que Belém perdeu o contato com o mundo exterior e hoje não há voos importantes saindo daqui.
R: Esse é outro eixo fundamental. Em todos os outros momentos da história em que Belém foi grande e referência, era um ponto de integração da floresta com o resto do mundo, quer no período das drogas do sertão ou da borracha. Hoje não temos, saindo de Belém, nenhum voo para cidades importantes do mundo. Hoje em Fortaleza há pelo menos dois voos diários em direçãoManaus ocorre o mesmo. Isso não quer dizer apenas turismo, mas negócios, exportação e para isso o contato aéreo é fundamental. Essa deve ser uma preocupação do novo governo do Estado. O caminho mais fácil seria uma rota para a França, com integração por Paramaribo ou Caiena. Belém precisa se reintegrar e estar acessível ao mundo.
P: Belém é uma cidade encantadora e acolhedora, mas que ainda não possui uma urbanidade e uma ocupação ordenada. A que isso se deve?
R: Esse é outro grande eixo que está posto na agenda da cidade. Precisamos de intervenções urbanísticas nos bairros não centrais e de programas de habitação social. Pelo fato de Belém ter sido uma Cidade Real, tem todo um equipamento arquitetônico e urbanístico rico. Temos várias caras, uma delas é a do período do extrativismo das drogas do sertão, da época do Landi. Uma segunda etapa é o do extrativismo da borracha, e um terceiro período que vivemos agora, que é o extrativismo mineral, que não deixa nada nas cidades, a não ser os problemas. A maioria dos bairros de Belém foram planejados no período da borracha, na época do prefeito Antônio Lemos, e que durou até a década de 1960. Ele planejou uma cidade para o futuro a partir da realidade que ele vivia no início do século passado. Nessa época, quando Belém fazia 300 anos, era uma das melhores cidades brasileiras para se viver. Hoje, 100 anos depois, no início do século 21, é uma das piores metrópoles brasileiras do seu porte. Belém foi crescendo, recebendo a migração do interior do Estado e de outros estados, como o Maranhão, e houve um crescimento da pobreza.
P: E o nosso centro histórico, tão rico, mas tão abandonado?
R: O nosso centro histórico é rico, pois reúne história, arquitetura e arte de pelo menos dois períodos da histórica econômica. Houve intervenções no passado tentando melhorar essa área. Na década de 90, nos governos de Almir Gabriel e de Edmilson Rodrigues, que disputaram para saber quem daria a marca mais profunda na recuperação do centro histórico. Ocorre que as intervenções não foram bem sucedidas, pois sempre se trabalhou baseado no saudosismo, com a ideia de se voltar ao passado, trazendo a Belle Epóque... Ocorre que não se pode voltar ao passado. A cidade e a população mudaram e existem problemas como segurança pública que impedem isso. Chega de saudade! Temos que pensar o centro histórico, de preservá-lo e de requalificá-lo com qualidade. Se temos vocação para o comércio popular, temos que trabalhar com essa questão para dar qualidade a esse segmento, para que atue com civilização, criando uma nova estética. Temos que evitar que todas as linhas de ônibus confluam para a área do Ver-o-Peso, o que também prejudica essa recuperação. Outra: muitas atividades que ocorrem hoje no Ver-o-Peso, como o comércio de pescado a granel, na pedra, são incompatíveis com o centro comercial. Temos que criar fora da feira um centro de processamento e abastecimento para o pescado, evitando vários entraves na feira. Também precisamos incentivar a habitação no centro histórico, que dá vitalidade à área, com vida noturna e circulação. (Diário do Pará)
Flávio,
ResponderExcluirJá havia lido a entrevista na edição física do Diário do Pará.
Tenho muitas concordâncias com você.
Belém está perdendo a condição de capital.
Capital vem de caput, capitis. Cabeça, em latim. Cabeça no sentido de importante, de líder, de dirigente.
Belém está ficando descabeçada. Está perdendo importância, liderança e direção.
Se quiser recuperar a condição de cabeça, de capital, vai ter que se reinventar. Só assim pode merecer a condição que detém formalmente, a condição de capital.
Belém está descabeçada e desmiolada. Está perdendo o pouco que lhe resta de massa encefálica. Em corporativês: está perdendo capital intelectual e não tem gestão de conhecimento. Pelo menos gestão visível a um vivente como eu (melhor seria dizer, reconheço, sobrevivente).
Não vai ser fácil se reinventar com pouco mais de dois reais de renda pública per capita por dia. E é por aí que ensaio uma pequena discordância com você a propósito da vocação para o comércio popular. Se for tal como ele está configurado atualmente, Belém está ferrada, pois fica com todos os problemas dele decorrente - inclusive os de segurança - e não recebe um centavo de receita pública, pois a economia informal, por definição, não gera receita pública.
A mãe de todos os problemas de Belém é a sua baixa receita pública per capita. Se a cidade e suas elites - pensantes, dirigentes e governantes - não reconhecermos essa premissa básica, continuaremos nos enganando e enganando a todos com mágicas bestas (tipo essas faltas gratuidades no transporte público de passageiros) e muito marketing.
Muito obrigado por sua contribuição para o debate.
Flávio.
ResponderExcluirUm PS: concordo com você e Comte-Sponville. A felicidade - nossa e de Belém - só pode existir se for hoje, agora. A nostalgia e a esperança são inimigas da felicidade. Daí a pertinência da proposta de Sponville: a felicidade, desesperadamente.
Prezado Flavio
ResponderExcluirParabenizo você pela excelente entrevista, pela clareza de ideias e um olhar à frente em relação a "nossa" Belém....
Abraços
ERICK PEDREIRA
Li tua entrevista no Diário de hoje. Muito boa, clara e totalmente pertinente. Parabéns! Bjo
ResponderExcluirConcordo, Flávio, precisamos pensar em uma Belém mais humana, limpa e desenvolvida, ser a metrópole da Amazônia, o portal de entrada é uma responsabilidade e hoje o que mostra é um retrato pouco convidativo.
ResponderExcluirNão há como desenvolver o turismo...
Prezado Sr. Prof°. Flávio Sidrim Nascimento, gostei de sua entrevista no
ResponderExcluirDiário do Pará de domingo, agora me pergunto: será que é só o sr. que
percebe e tem soluções para os problemas de nossa cidade??? E os nossos
governantes, a governadora deixou nosso estado na bancarrota, devendo deus
e
o mundo e ninguem faz e fala nada? Este estado esta entre os últimos em
quase tudo, a violência descamba pro surreal, ninguem esta seguro, o
trânsito caôtico, não tem metrô de superfície, o pôrtico em frente ao
Castanheira esta a dois anos e ainda não esta pronto, não temos árvore
de
natal como todas as principais capitais, a estação das Docas concelou os
fogos de fim de ano, esta tudo errado. Faça o seguinte, mande um dôssie
pro
governador e o Prefeito com suas teorias pra ver se eles tomam vergonha na
cara e fazem alguma coisa por esta bela cidade e estado. Um abraço e Deus
esteja sempre com o senhor
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Reginaldo Nery