O José Maria Alencar fez importante comentário à minha entrevista, publicada no Diário do Pará e reproduzida aqui no Blog.
O comentário reproduzo abaixo, mas antes uma observação.
O "entrevistão" que dei ao Diário durou mais de duas horas e foram tratados vários outros temas. A edição ficou muito bem feita, mas justo o tema do "Chega de Saudade" e do "comércio popular" abrigou algumas imprecisões.
Quando falo da vocação para o comércio popular não estou me referindo a Belém como um todo, mas ao antigo Comércio, foi lá que se verificaram as tais intervenções baseadas no saudosismo.
Aquela área jamais voltará a ter os padrões estéticos, que poderemos denominar de charmosos, das fotografias do belíssimo e fundamental álbum Belém da Saudade editado pela SECULT na primeira gestão Paulo Chaves.
Hoje a vocação daquela área é o comércio popular.
O desafio é construir novas estéticas que permitam civilizar aquele espaço agora dominado por uma sub-urbana barbárie.
Vamos ao comentário do Alencar:
Já havia lido a entrevista na edição física do Diário do Pará.
Tenho muitas concordâncias com você.
Belém está perdendo a condição de capital.
Capital vem de caput, capitis. Cabeça, em latim. Cabeça no sentido de importante, de líder, de dirigente.
Belém está ficando descabeçada. Está perdendo importância, liderança e direção.
Se quiser recuperar a condição de cabeça, de capital, vai ter que se reinventar. Só assim pode merecer a condição que detém formalmente, a condição de capital.
Belém está descabeçada e desmiolada. Está perdendo o pouco que lhe resta de massa encefálica. Em corporativês: está perdendo capital intelectual e não tem gestão de conhecimento. Pelo menos gestão visível a um vivente como eu (melhor seria dizer, reconheço, sobrevivente).
Não vai ser fácil se reinventar com pouco mais de dois reais de renda pública per capita por dia. E é por aí que ensaio uma pequena discordância com você a propósito da vocação para o comércio popular. Se for tal como ele está configurado atualmente, Belém está ferrada, pois fica com todos os problemas dele decorrente - inclusive os de segurança - e não recebe um centavo de receita pública, pois a economia informal, por definição, não gera receita pública.
A mãe de todos os problemas de Belém é a sua baixa receita pública per capita. Se a cidade e suas elites - pensantes, dirigentes e governantes - não reconhecermos essa premissa básica, continuaremos nos enganando e enganando a todos com mágicas bestas (tipo essas faltas gratuidades no transporte público de passageiros) e muito marketing.
Muito obrigado por sua contribuição para o debate.
Um PS: concordo com você e Comte-Sponville. A felicidade - nossa e de Belém - só pode existir se for hoje, agora. A nostalgia e a esperança são inimigas da felicidade. Daí a pertinência da proposta de Sponville: a felicidade, desesperadamente.
Caro Flávio
ResponderExcluirLi com bastante cuidado e atenção ao que v. formulou na entrevista ao “Diário do Pará”. Vi três momentos distintos.
Um, em que a questão da revitalização do antigo Centro Comercial de Belém é colocada como algo impossível ante uma realidade social criada pela incúria de quase todas as administrações de Belém e do Estado.
Dois, em que há uma espécie de maktub urbana, em que a vontade econômico-social da maioria tem que se subordinar aos pequenos interesses do lumpesinato comercial e marginal, como se o quadro instalado seja inamovível e impossível de ser solucionado.
Três, a reprodução, quase ipsis litteris, da teologia neoliberal de Comte-Spontville, pois, o que ele identifica como um valor para a felicidade, desde os primórdios do capitalismo é defendido como o racionalismo do liberalismo, cuja base se centra no indivíduo e suas aspirações pessoais, repetindo ad nauseam todas as argumentações encontradas em Kant, Hobbes, Spinoza e Platão, como não poderia deixar de ser, pois é a chave para o “filosofismo” heideggeriano, embora queira ser a versão high tech de um Mathieu reciclado.
Flávio, quase que o neoliberalismo consegue criar a própria uma justificação ideológica capaz de servir como substituto ao que fez Max Weber. Num certo sentido até que foi bem mais além, pois, esse neo-existencialista utópico, professado e defendido por Comte-Spontville, chegou bem perto de elaboração de uma teologia neoliberal, com paraísos, santos, pecadores, céu e inferno.
Enfim, um conjunto capaz de orientar na direção da Felicidade, mas, sempre com a visão de que essa Felicidade só é possível, no aqui agora. E que o passado nada serve. Uma afirmação de muitíssima coragem, pois, ao negar o desenvolvimento da humanidade, aproxima-se perigosamente do agressivo voluntarismo das sociedades nazi-fascistas. Ou seja, gostando ou não, estamos sendo obrigados a decidir se queremos a destruição de nossa história e cultura em nome de um realismo só existente na mente dos imediatistas.
V. acabou de estar em uma cidade que ainda sobrevive porque o menemisno e o neoliberalismo não conseguiram avançar sobre a sua História. É claro que uma volta ao passado é impossível, entretanto, o que não podemos é permitir que a barbárie seja o destino de nossa bela cidade e Estado.