sábado, 4 de dezembro de 2010

Pós-Graduação Nova no Brasil: uma resposta a Naomar de Almeida

O prof. Marcos Palácios, uma competência que a UFPA perdeu, dá importante contribuição ao debate sobre o novo modelo do ensino universitário baseado no processo de Bolonha

Li com interesse o seu artigo, intitulado “Pós-Graduação Nova no Brasil”, publicado na Folha de São Paulo e reproduzido pelo Jornal da Ciência (12/11/2010- Vide abaixo). Estou no momento residindo em Portugal, em temporada como Professor Visitante na Universidade da Beira Interior (UBI), na cidade de Covilhã, desde Fevereiro deste ano. Durante este período, tive oportunidade de conviver com colegas
docentes e pesquisadores nesta Universidade - onde tive a melhor das acolhidas - e ministrar aulas para estudantes de Graduação (aqui Licenciatura), Mestrado e Doutorado.
Lamento, mas minha impressão do chamado Mestrado Integrado é a pior possível. Na prática, não se trata em absoluto de Pós-Graduação stricto sensu, como temos hoje no Brasil, mas de uma continuidade da Graduação, que foi encurtada aqui de quatro a cinco para três anos. Com isso, têm-se, na verdade e na
prática, uma Graduação de cinco anos e - como possível continuidade - o Doutorado. Em termos comparativos, os Mestrados Integrados seriam equiparáveis, quando muito, a nossos Cursos de Especialização lato-sensu; com carga horária maior, é verdade, porém resultados equivalentes.
Na minha avaliação as desvantagens do Modelo Integrado pós-Bolonha são muitas:
a) não se estabelece uma ruptura de níveis entre Graduação e Pós-Graduação, como ocorre em nosso caso, com um processo de seleção, preparação de um projeto de pesquisa como condição de acesso à Pós, elementos geradores da consciência ou pelo menos 'sensação' de que se transitou para uma situação nova: a de pós-Graduando. Com o modelo Bolonha, nada disso acontece. Os estudantes são quase que automaticamente “promovidos” ao Mestrado Integrado e continuam a agir e atuar academicamente como os de Licenciatura, com a percepção de que estão apenas dando seguimento a dois anos mais dos estudos, no mesmo ritmo e espírito com que estiveram cursando os três anos anteriores, na Licenciatura. Ritos de Passagem continuam sendo importantes, especialmente em ambientes altamente simbólicos, como o Universitário;
b) nosso modelo de Mestrado oferece uma via de preparação inicial de pesquisador (Mestrado Acadêmico), que tem por meta a culminação de sua formação científica básica e o início de sua efetiva contribuição ao Conhecimento no estágio do Doutorado; por outro lado, o Mestrado Profissionalizante oferece uma opção para aqueles que desejam uma continuidade de estudos, com vistas ao mercado de trabalho não-acadêmico. Com o modelo Bolonha, esta diferenciação entre Acadêmico/Profissionalizante na prática deixa de existir nos Mestrados Integrados, com todos os mestrandos fazendo um pouco de tudo, sem uma diferenciação clara para os que pretendem seguir caminhos mais marcadamente acadêmicos. Resultado: dissertações de Mestrado que deixam muito a desejar e, principalmente, candidatos doutorais muito mais fracos e com menos experiência de uma real Pós-Graduação de cunho acadêmico. Aliás, antecipo problemas quando chegarem aos Programas de Pós-Graduação brasileiros, para reconhecimento e revalidação, os diplomas obtidos na maioria dos cursos de Mestrado Integrado europeus pós-Bolonha. Poderão, em alguns casos, obter reconhecimento como Mestrados Profissionalizantes, mas dificilmente como Mestrados Acadêmicos;
c) para completar, Bolonha reduziu o Doutorado de quatro para três anos. Paradoxalmente, os estudantes chegam ao Doutorado menos preparados do que na situação pré-Bolonha e têm um prazo menor para concluir essa etapa, quando de fato necessitariam de mais tempo, para garantir a consolidação do que não foi devidamente sedimentado no Mestrado. Um Doutorado de três anos é mais viável no modelo brasileiro, que garante uma formação prévia mais sólida via Mestrado Acadêmico, do que no modelo Bolonha.
Em suma, o quadro pós-Bolonha não me parece fornecer um panorama muito promissor, menos ainda
uma situação a ser tomada como paradigma e emulada. Acredito que temos no Brasil um sistema
consistente de pós-Graduação por mérito, que consumiu anos de aprimoramento, com implantação de
processos sérios de avaliação pela CAPES, montagem de programas de incentivos a projetos de
cooperação nacional e internacional, criação dos mais variados tipos de bolsas e apoios, envolvimento da
comunidade de pesquisadores no estabelecimento dos padrões de avaliação e - insisto - com clara
demarcação entre etapas distintas de formação Graduação/Pós-Graduação. Essa clivagem e os Ritos de
Passagem que a acompanham não são desvantagens nem anacronismos, mas pontos a nosso favor.
Temos poucas vagas na Pós-Graduação? O acesso é demasiadamente restritivo? Ampliemos o número
de vagas, criemos mais cursos de Pós-Graduação.Tornar a Pós-Graduação mais "democrática" através de
sua dissolução em um banho ácido de Graduação não me parece, em absoluto, uma solução, mas pode representar o abandono de conquistas fundamentais, pelas quais temos trabalhado e lutado ao longo das três últimas décadas em nosso país.

Marcos Palácios
Professor Titular
Faculdade de Comunicação
Universidade Federal da Bahia

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