sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Pedro Ayres: um amigo no ciberespaço
Meu ciberamigo Pedro Ayres não conheço pessoalmente.
Pelo perfil de seu Blog Crônicas e Críticas da América Latina, soube que ele é paraense nascido em 1938, jornalista que começou a vida profissional no jornal a "Província do Pará".
"Foi em Belém que ingressei no Partidão, participando de forma bem ativa das lutas políticas e populares, até vir para o Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro, idos de 1960, além da vida partidária clandestina e a militância na UNE continuei jornalista. "Última Hora", "Correio da Manhã" foram alguns dos periódicos em que trabalhei."
Foi correspondente da "Reuters" e se mudou para Buenos Aires. Mais tarde militou na ALN e foi fundador do PDT de Brizola.
Pedi-lhe uma foto para ilustrar este post ele respondeu:" Infelizmente a única foto que tenho é a que vai em anexo. Sou de uma época em que ser jornalista era ser anônimo e em política ser clandestino".
Pedro tem sido um comentarista assíduo deste Blog, recentemente me mandou um comentário que achei oportuno reproduzir aqui, pois mostra como se formaram as mentalidades de uma geração de brasileiros.
Caro Flávio
Pertenço a uma geração bem interessante, pois, ao mesmo tempo em que adotávamos a II Guerra Mundial como uma referência existencial – todos éramos da geração “post-guerre”, também convivíamos com o massivo ataque ideológico dos filmes e músicas estadunidenses, o que nos permitia uma abertura mais ampla sobre quase tudo. E tudo isso recheado de certo romantismo que os partisans e os incipientes movimentos anticoloniais e antiimperialistas estavam a criar e tinham criado. O engraçado é que sentíamos a necessidade da construção do Novo, de um mundo novo, de um Brasil novo.
Num certo sentido, a II Guerra Mundial tinha nos obrigado a olhar o mundo como um todo, não mais a partir da visão colonialista que nos obrigava a olhar sempre na direção da metrópole. Pode-se dizer que a II Guerra Mundial foi o princípio da moderna globalização. Era o marco final de uma etapa histórica e o início de outra, fosse pelo fim da economia política apoiada e sustentada pelo poder de algumas potências, fosse pela inexorável ascensão política e objetiva do imperialismo das empresas transnacionais.
Creio que entre os anos de 1940/60, mesmo envolvidos culturalmente entre os românticos apelos do existencialismo engajado de um Sartre, a beleza de Juliette Gréco, a inteligência de Simone de Beauvoir, o modernoso existencialismo de Françoise Sagan e as receitas estéticas da Nouvelle Vague, quase que a transposição dos conceitos da Bauhaus para o cinema. É claro que havia tempo para se cultuar o neo-realismo italiano e o cine noir dos EUA, isso sem contar a admiração pela belo cinema produzido pelo Leste Europeu. Para os mais jovens, os que estavam ingressando na Universidade, havia um grande choque entre o formalismo acadêmico e o seu rígido modelo de reprodução ideológica. Ou seja, era o mais perfeito nicho do velho, do superado e do errado, segundo as sensações que este novo mundo - criado pela Guerra – produzia.
O resultado era pensar noutro novo. Um novo que agregasse as virtudes daquela geléia real, o que incluía até a elaboração de outra economia política e a adoção do planejamento coletivo como forma de agir. Entretanto, o que era mais sintomático daquela época, o verdadeiro produto da geléia real, foi à elaboração das propostas nacionalistas não-xenófobas e a compreensão do Brasil como um todo e ao mesmo tempo fracionado. O Brasil, para nós, era a hipótese e a síntese ao mesmo tempo.
Assim, com esse modo de pensar, empírico e sem experiência anterior que o justificasse, algumas questões concretas ganham corpo, até que no início dos anos de 1960, fruto do amadurecimento da prática social brasileira e do mundo subdesenvolvido, há um estalo crítico que irá servir como base para tudo o que seria feito depois, tanto na área estudantil, quanto no campo da ação política. Esse estalo teve dois importantes eventos como marcos – a criação do Centro Popular de Cultura da UNE e o Manifesto do CPC.
Um estalo que teve como substrato as idéias que circulavam no ISEB, graças a intelectuais e pensadores como Guerreiro Ramos, Alvaro Vieira Pinto, Nelson Werneck Sodré e Ignácio Rangel, que pretendiam realizar a formulação de um pensar político brasileiro a partir do conhecimento da própria realidade nacional. Todos esses pensadores foram importantes, entretanto, um deles, Guerreiro Ramos, ao realizar a critica da fenomenologia e advogar o existir de uma ciência social brasileira através de seu livro “Redução Sociológica”, de 1958, forneceu armas para o nacionalismo que se gestava.
Hoje em dia, muitos tentam identificar aqueles idos a partir dos re-atualizados conceitos de nacionalismo e populismo, quando na verdade, a despeito da forte influência política do PCB - o Partidão, que dava a maioria dos quadros pensantes daquela época, as alterações se originaram da fonte básica – a divisão internacional do trabalho. Um quadro que, embora apresentasse sinais externos de mudança, com o fim do colonialismo e o avanço daquilo que Eisenhower chamou de Complexo Industrial-Militar, parecia ser um continuum dos tempos anteriores à II Guerra Mundial, com Estados colonialistas ou imperialistas. Uma análise que hoje sabemos ser equivocada.
Foi, pois, a partir desse caldo de cultura que o Movimento Universitário, fortemente estimulado pelos projetos educacionais de Anisio Teixeira e Darcy Ribeiro, mais as influências democratizantes da Universidade argentina, dá início a uma série de seminários e semanas de estudos, não só sobre a questão Universitária e Educacional, mas, sobretudo sobre a necessidade de um projeto desenvolvimentista nacional que olhasse para o Brasil de uma forma distinta da que até então tinha vigorado. Era preciso ver o país como uma grande unidade, mas, com necessidades regionais específicas de crescimento econômico-social.
A tarefa de pensar o Brasil, de região por região, de sistematizar os problemas e apresentar hipóteses de solução, junto com o sentimento de maior inclusão democrática, fosse no campo da produção, fosse na área educacional, era a nossa responsabilidade naqueles tempos. No caso da Região Amazônica, achávamos ser importante uma revisão naquela lógica rooseveltiana, tão bem clara nas linhas da SPVEA, pois, embora víssemos no Estado um elemento fundamental para os processos transformadores, acreditávamos ser possível um novo tipo de desenvolvimento. Um desenvolvimento capaz de ter as nossas riquezas naturais e a nossa experiência produtiva como fatores elementares.
Um exemplo era a questão da energia elétrica, enquanto a maioria defendia o permanente uso de termelétricas, nós apoiávamos a construção de pequenas hidrelétricas ao longo da vasta rede hidrográfica regional ou então, através do aproveitamento das correntes fluviais, da mesma maneira que em alguns lugares se realiza o uso da força das marés para produzir energia. Junto a isso, como não poderia deixar de ser, defendíamos a transformação da Universidade amazônica em centros de estudo, pesquisas e de formação de mão-de-obra altamente qualificada para realimentar o próprio sistema universitário, mas, acima de tudo, com capacidade para gerir um desenvolvimento integrado à realidade física e humana da Região.
É, pois, muitíssimo importante que o país volte a se debruçar sobre esses problemas e questões. Temos que voltar a reaprender a pensar o Brasil com uma mente brasileira. E no caso da Região Amazônica, ou do Estado do Pará, fugir de idéias e teses imediatistas, como as que pregam a subdivisão administrativa como meio para um crescimento possível, pois, a sua base é falsa e predadora. Ainda que possa ser acusado de saudosista e ultrapassado, ouso dizer que aqueles sentires e pensares estão de volta. Não podemos perder esta oportunidade de encontro com o futuro e de mantermos a nossa região como o que sempre foi, reserva de riqueza, bem-estar e beleza.
Flávio. Peço que me desculpe pelo longo, texto, mas, palavra, não seria possível escrever menos.
Um grande abraço e
Grato
Pedro Ayres
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Caro Flavio
ResponderExcluirSe eu soubesse que aquele email seria transformado em post, bem que teria tentado lhe dar um melhor conteúdo e mais respeito ao vernáculo. De qualquer modo, muito obrigado pela referência e quase que homenagem. Levei um susto quando vi o cabeçalho do post, jamais me imaginei como tema de post.
Grato
Um abraço
Pedro Ayres
É com imensa alegria que vejo o retorno do professor Pedro Ayres à vida política de Belém. Como sempre zeloso por sua cidade, de seu Estado e sua região. Ele é realmente tudo isso e mais aquele algo que o fazia ser destacado - a simpatia e gostar de ensinar. Até hoje tenho orgulho em ter sido sua aluna no Colégio Santa Catarina.
ResponderExcluirAdriana