Discurso de saudação à Vicente Salles pronunciado no CONSUN-UFPA, em 2/12/2011, quando recebeu o título de Doutor Honoris Causa.
Magnífico amigo
Carlos Maneschy,
Magníficos Conselheiros,
Magnífico
Professor Vicente Juarembu Salles,
Senhoras e Senhores.
Deve ter sido para economizar tempo que o reitor adotou o critério da amizade e escolheu-me para saudar o novo Doutor Honoris Causa da UFPA, do contrario, para poder apresentar as virtudes intelectuais do agraciado, teria que convocar não apenas um, mas vários para fazê-lo, quem tivesse necessario conhecimento sobre ritmos populares brasileiros, musicografia paraense, História da imprensa paraense, Cabanagem, caricatura e caricaturistas no Pará, Folclore, História da arte paraense, falares populares, economia açucareira no Pará, arquitetura dos engenhos de cana de açúcar, Círio de Nazaré, História do teatro no Pará, Poesia paraense, Sociologia, Marxismo, Etnografia, Historia da Ópera no Pará, Cultura Negra no Pará, Quilombos e Quilombolas, Cultura mestiça, Literatura de Cordel, Bandas de Musicas e Sociedades Euterpes, Cantochão Gregoriano, Modinhas, capoeira paraense, lutas camponesas. Vicente Salles ainda e conhecedor da biografia e da obra de José Veríssimo, Meneleu Campos, João Carlos Wiegandt, Paulino Chaves, Frei João Daniel, Padre João da Veiga, Raymundo Satyro de Mello, Eneida de Moraes, Carlos Gomes, Teodoro Braga, Gama Malcher, Bruno de Menezes, e tantos outros.
Vicente é um enciclopedista que escapou do século das luzes e com o qual temos a felicidade de conviver e o dever de homenagear.
Agora sigamos ao tradicional:
Vicente Juarembu Salles nasceu dia 27 de novembro de 1931, (há seis dias completou 80 anos), na vila do Caripi, município de Igarapé-Açu.
O avô paterno foi nômade, mascate, taberneiro, padeiro. O materno foi poeta, repentista, cantador e tocador de violão. O pai, Clóvis, foi soldado, rábula, gostava de fazer discursos e tinha uma pequena biblioteca com clássicos como Werther, de Goethe, Dom Quixote e autores como Júlio Verne, Vítor Hugo, Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, José de Alencar. Era um dos intelectuais de Castanhal, para onde a família se mudou quando tinha seis anos, mais nordestina que amazônica, com cantadores e repentistas, rapadura e jabá na feira, literatura de cordel, e todos aqueles personagens que parecem saídos dos romances de José Lins do Rego, Raquel de Queiroz, Jorge Amado ou mesmo das telenovelas de Dias Gomes.
É na convivência com estes personagens, ouvindo as conversas deles com o pai, que Vicente começa sua formação intelectual e vai, desde então, percebendo a sutileza das diferenças.
O farmacêutico pragmático, o padre fascista, os getulistas, entre eles o pai, o delegado comunista, filho de Pedro Alexandrino Delgado, alfaiate, fundador em 1899 do Partido Operário Progressista do Pará.
Cearenses, muitos, paraibanos, menos, piauienses, alguns, além de espanhóis e italianos, entre eles Anarquistas, remanescentes do fracassado protejo de criar, ao longo da estrada de ferro Belém-Bragança, colônias agrícolas com estrangeiros.
A situação ali é de estagnação econômica, já vai longe a euforia do momento da construção da estrada, da implantação das colônias com a chegada de levas de retirantes fugindo da seca, em busca do sonho amazônico.
Que futuro poderia se prever para este menino de família de valores e éticos e culturais, porém pobre?
Padre como queria a mãe? Militar o pai? Violinista como sonhava? Será que algum cenário apontaria para que fosse hoje o intelectual de prestígio nacional? Citação obrigatória em qualquer estudo dos temas que publicou.
Vamos viajar, vamos imaginar um simulador de destinos, sonhos, máquina azul, tal o Deep Blue, supercomputador que derrotou Kasparov, maior entre os maiorais do xadrez. Azul porque agora a mais sofisticada tecnologia é azul: blue ray, bluetooth, blue label e as blue chips as super ações da bolsa.Talvez porque o céu é o limite.
Mas voltemos à nossa máquina para nomeá-la melhor. Está claro que o nome não vai ser em português, ninguém levaria a sério o nosso simulador. Tem que ser em inglês: Blue Dream, sonho azul!
Mas é pouco, tem que ter algo mais, que qualifique o sonho, não basta ser azul, precisa daqueles sufixos em letra maiúscula, que não sabemos bem o que significa, mas que emprestam credibilidade a qualquer produto.
Quem sabe, hard (duro, forte), high (alto)?
Para associar com sonho, high, é melhor “sonhar alto”.
Mas ainda falta uma letra, nunca é uma letra só, vamos em busca da que falta: performance (desempenho), power (poder), heureca! tudo que tem poder fascina:
Para associar com sonho, high, é melhor “sonhar alto”.
Mas ainda falta uma letra, nunca é uma letra só, vamos em busca da que falta: performance (desempenho), power (poder), heureca! tudo que tem poder fascina:
Blue Dream HP (Alto Poder).
Agora só falta um número.
Sempre tem um número associado a estas letras.
Que tal 100?
Pode parecer arrogante, absoluto, 100% de acerto.
Uma margem de erro:
Blue Dream HP 99.
(Sonho Azul: Alto Poder 99).
Ponto, agora podemos consultar:
Blue Dream HP 99:
Que futuro poderia pensar este menino?
Será ele violinista, como sonha;
Dar consertos pelo mundo;
Ser o spala da orquestra;
E até virar maestro;
Advogado, quem sabe;
Bacharel de mil lauréis;
Político de palanque e promessa;
Militar de farda e quepe;
Padre, bispo, monsenhor?
Melhor baixar o horizonte.
Menos, menos, com o andor,
Um menino como esse,
Tem muito muro por de fronte.
Funcionário, daquele que cumpre horário,
Balconista, sempre à vista do patrão,
Maquinista ou chefe de estação.
Se for esperto, porém,
Por força de bom casamento,
Pode ganhar um cartório,
E virar tabelião.
Esta foi a previsão, cortante como facão, feita pelo Sonho Blue, que para adoçar respondeu, ao neto do repentista, na moda que se cantava na feira de Castanhal.
Cai Getúlio em 1946, o pai perde o emprego, a família vem para Belém, onde se acomoda com ajuda dos parentes.
Vicente tem 15 anos, matricula-se no Ginásio Paes de Carvalho, mas é obrigado a abandonar os estudos, precisava trabalhar. Foi boí em uma empresa de representação comercial. Depois, para continuar estudando, em horário noturno, só havia a Escola Prática de Comércio, mantida pela Associação Comercial.
Morava na Cidade Velha, Rua de Santarém, vizinho de Bruno de Menezes e do sapateiro comunista Dagoberto Lima, seus dois grandes mestres.
Com Bruno, frequenta terreiros de macumba, batuques, cordões de pássaros, bois, e, palavras suas, menino enxerido, o acompanha com Rodrigo Pinajé, Jaques Flores, Nunes Perreira, Eneida de Moraes, nas reuniões da Academia do Peixe Frito na sua errância pela Zona, Ver-o-Peso, Café Santos, Café Manduca.
Com o sapateiro comunista, Seu Lima, conhece Levi Hall de Moura, o principal teórico do PCB no Pará, de quem se torna secretário.
Tem 16 anos, cursando a primeira série do segundo grau, quando publica seu primeiro artigo em A Província do Pará.
Exímio datilógrafo, encontra emprego com facilidade no mundo comercial, economiza algum e começa sua aventura no universo dos sons, passa cinco meses pesquisando carimbós e bandas de música na Região do Salgado Paraense.
Nos rumos de Maiuandeua, levado pelo menino-mandado de nome Caroço, chega na longe morada, em cima do Monte Cristal, tapera de mestre Atanásio, onde tem seu corpo fechado e liberto de todo o mal:
Tontom é bela
Cortei o pau
Fiz a gamela
Depois vendi
Fiquei sem ela.
Outra vez vamos consultar o Deep Blue HP 99, para verificar se melhores futuros já pode sonhar o menino.
Nos respondeu a cartomante hight tech:
E mais, para que não pensem
que em sua vida tudo é triste,
vejo coisa que o trabalho
talvez até lhe conquiste:
que é trocar os seus molambos
da feira de Castanhal
para um mocambo melhor
no Distrito Federal.
Em junho de 1954, por intermédio de Bruno de Menezes, conhece o antropólogo Edison Carneiro e decide transferir-se para o Rio de Janeiro. Pega um Ita no dia 13 de agosto em Belém e, nos albores do dia 24, quando no convés do navio, contemplava aquela mirabília de luzes e cores e formas, não da terra, mas do universo, a entrada da barra da baía de Guanabara, explode sangue no Repórter Esso:
O presidente da república, Senhor Getúlio Dorneles Vargas, suicidou-se.
O presidente da república, Senhor Getúlio Dorneles Vargas, suicidou-se.
"Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, renunciando a mim mesmo. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue.
Eu ofereço em holocausto a minha vida.
Ao ódio respondo com o perdão.
E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Nada receio.
Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida ....."
meuminino disparte para um reino entrefosco que o rei morto era posto e o rei posto era morto mas ninguém lhe contava essa estória desvinda
A cidade se quedou paralisada, congelada, muda, num silêncio de pedra depois da explosão no Catete.
O menino: espanto, cidade, grandes maravilhas, tragédia, comoção, silêncio,
Depois,
explosão de gentes,
de trabalhadores do Brasil,
de operários,
de favelados,
de portuários,
de esmolambados,
de petroleiros,
de ferroviários,
de estudantes,
de desdentados
de funcionários
da galera
da geral
Parecia que chegara em Jerusalém no dia que crucificaram Jesus, aproximou-se do Gólgota-Catete, espreitou de longe. Ficou com medo.
Foi procurar Eneida de Moraes, para quem fora recomendado, buscando uma explicação.
Uma só cidade: perplexidade.
Chegou dezembro e os dedos que sonhavam violinos, rápidos nas teclas da máquina de escrever, foram logo convocados no concurso de datilógrafo do DASP. Vicente aprovado entre os primeiros teve o direito de escolher onde queria trabalhar. Foi lotado no Ministério da Educação e Cultura, MEC, cansou de subir e descer no mesmo elevador de Drummond, mas diante deste deus demasiado, o menino enxerido estremecia, nunca teve coragem de falar com ele.
Conclui o ensino médio, e em 1957, com 26 anos, é aprovado no vestibular de Direito da Faculdade Cândido Mendes.
Blue Dream HP 99 chamando,
HP 99 chamando:
Atenção peço, senhores,
para esta breve leitura:
Vou dizer todas as coisas
que já agora posso ver
na vida desse menino
acabado de crescer:
Para quem vem uma árvore
Que quase não tem valor
Nem sucupira ou pau d'arco
Angelim ou acapu
Tudo madeira branca
Que apodrece bem ligeiro,
Envira, paricá, ingazeiro,
Já nas chuvas de janeiro.
São tantos seus ascendentes,
Cantadores e mascates,
De viola tocadores
Taberneiros e padeiros.
Foi bói, menino-mandado, coroinha de vigário.
Foi aluno de boêmios e sapateiros
Amigos de engraxates, pai-de-santo, anarquistas
Poetas, vadios, macumbeiros
Comunistas, violeiros e artistas.
Nenhum alto funcionário, gente de lautos salários,
Profissionais liberais, juízes de tribunais.
Prefeitos, vereadores, deputados federais.
Com tão fraca precedência
Para alguém que nasceu a pé
Que ralou em Castanhal
Agora, cara pra lua,
No Distrito Federal
Acertou bem na cabeça
Do bicho que voa alto.
Bacharéis, até em Haia,
Tem brilhado brasileiros
Mas são raros folcloristas,
Violinistas, rabequeiros
A domar o mundo inteiro
Te conforma,
Te segura,
Te assegura, me rapaz.
então o miniminino adentrou turlumbando a noitrévia forresta
e um drago dragoneou-lhe a turgimano
meuminino quer-saber o desfio da formesta o desvio da furnesta só dragão dragoneante sabe a chave da festa e o dragão dorme a sesta
então
meuminino começou sua gesta
De 1961-72, trabalhou na Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro.
Organizou a Biblioteca Amadeu Amaral e foi redator da Revista Brasileira de Folclore.
Em 1965, com 34 anos, casou com Marena Isdebski Salles, violinista. Três filhos: Marcelo, violoncelista, Mariana, violinista, e Márcia, pé-no-chão, Bacharel em Administração.
Em 1966, depois de se livrar de inquéritos, por traquinagens no movimento estudantil, é Bacharel em Ciências Sociais pela Faculdade Nacional de Filosofia.
De 1972-75, trabalhou no Conselho Federal de Cultura, secretariando a Câmara de Artes, onde conviveu, entre outros, com Artur César Ferreira Reis e com Amália Lucy Geisel, filha do ex-presidente Ernesto Geisel, a quem descreve como mulher culta, sensível, que teve influência decisiva na criação da FUNARTE e de outras iniciativas positivas que ainda se desenvolviam no âmbito do MEC. Protegeu colegas de trabalho, que como ele, tinham posições de esquerda.
Em 1975, mudou-se para Brasília, onde contribuindo com a criação da FUNARTE, dirigiu o escritório do Distrito Federal. Em 1985, com a criação do Ministério da Cultura, ficou lotado no IPHAN, PRO-MEMÓRIA. Aposentou-se em 1990.
Publicou 25 livros, 50 MicroEdições, iniciativa que, financiava com recursos próprios e distribuía entre as principais bibliotecas de língua portuguesa. Resultado de pesquisa sobre temas inéditos, as micro edições, 20 a 50 exemplares, merecem uma macro edição. Vicente era o editor, digitador, revisor, diagramador e distribuidor.
Iniciou a Coleção Documentário Sonoro do Folclore Brasileiro e colaborou na produção de mais de 20 outros discos.
Ganhou prêmios com os ensaios O Exilado do Rancho Fundo da Academia Paraense de Letras; Repente e Cordel (Literatura Popular em Versos na Amazônia), Prêmio Sílvio Romero, FUNARTE; Memorial da Cabanagem, Prêmio Osvaldo Orico, da Academia Brasileira de Letras.
Participou de projetos culturais que resultaram na publicação do Atlas Cultural do Brasil; História da Cultura Brasileira; Brasil: Festa Popular; História Geral da Arte; Carlos Gomes: uma obra em foco; A mão afro-brasileira: significado da contribuição artística e histórica.
Na direção do Museu da Universidade Federal do Pará, de 1996-7, organizou seu acervo de partituras manuscritas e impressas, discos, fitas, imagens, livros, folhetos, recortes de jornais e implantou projetos de pesquisa da cultura popular, do cantochão paraense, bandas de música, caricatura e edição em computador de partituras musicais.
Membro da Academia Brasileira de Música, da Academia Nacional de Música, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Comissão Nacional do Folclore, etc.
Doutor Honoris Causa da Universidade da Amazônia.
Seu catálogo de obras, publicado em 2009 pela Academia Brasileira de Música, relaciona 661 títulos (Bibliografia básica e Bibliografia Geral).
Era realista o cálculo da máquina azul, sem pistolão ou padrinho, recursos para se manter, o previsível era que tropeçasse nos sonhos e caísse no caminho. Vicente é um exemplo de que a fórmula de superação de uma impossibilidade não é "tudo é possível", e sim "o impossível acontece".
Vicente é sábio, porque sabe que nada sabe, o douto simples, mestre sem arrogância. Ainda hoje menino encantado com o conhecimento, cedo descobriu a equação universal:
só há um modo de multiplicar o saber, dividindo-o.
Coisa fora do pensamento newtoniano-cartesiano, pois não linear, só alcançáveis por novas físicas, novas matemáticas, as que veem o invisível, o diminuto, o imenso. Do formidavelmente simples ao singelamente complexo.
Essa a eterna regra do universo, da vida e da cultura, onde o tempo tem incontáveis passados, inumeráveis presentes e infinitos futuros.
Neste momento em que também a academia, inspirando-se no mundo dos negócios corre atrás de rankings, índices, performances, rating, produtividades, o que estimula a competição, a ver o colega, o outro, como potencial adversário, onde o segredo é arma do negócio.
Vicente nos ensinou que um outro mundo é possível.
Ao tomar aqui o lema do Fórum Social Mundial, manifesto político, o faço para comparar com os princípios matemáticos, estatísticos, probabilísticos, que explicam a organização e o funcionamento das redes sociais da web, Facebook, Twitter, etc.: coletar,
conectar,
compartilhar.
O que foi que Vicente Salles fez a vida toda?
Pesquisar, recolher informação, estar conectado com uma imensa rede de pessoas, conversando pessoalmente, por carta, por telefone, por email, publicando e compartilhando seus conhecimentos e assim multiplicando-os.
Hoje, vivemos um bom momento na universidade pública brasileira, por incrível que possa parecer, talvez o melhor desde a sua criação, os salários ainda não são os desejáveis, mas "nunca antes na história deste país" se teve tanto dinheiro para construir, investir, quase que nem se consegue gastar.
Mas atenção, a segunda lei de arquitetura de software de Borba nos adverte: Toda arquitetura definida que comprovadamente funciona estará errada em breve.
Modo de dizer em linguagem de programador:
Panta rei, tudo flui, de Heráclito de Éfeso, o pai da dialética.
Tudo se transforma, de Lavoisier.
Nada existe além do processo ininterrupto do devir e do transitório, de Engels.
Ou seja, a terrificante advertência da nova e velha lei de Borba é que, quando finalmente conseguimos que alguma coisa fique próxima de funcionar, significa que está próxima de não servir mais, de ser ultrapassada pelo fluir, pela transformação, pelo processo ininterrupto do devir.
Para os tempos desafiadores do futuro, este modelo paquidérmico e entrópico das universidades federais brasileiras que refletem a nossa sociedade compartimentada, burocrática, egoísta, competitiva, desumana, perdulária, insolidária e alienada, já anuncia sua superação dialética.
A trajetória intelectual de Vicente Salles é um modelo inspirador para esta travessia. Ela foi muito mais contemporânea, muito mais criativa, muito mais rica, porque foi feita em rede, interagindo em sistemas abertos, foi feita com livros e gentes, nas bibliotecas e ruas, nas praças, na Academia com acadêmicos e na Academia do Peixe Frito, no Ver-o-Peso, com poetas e vagabundos, na internet, no Google, na Wikipedia, e não pára, conectado, na rede, ligado, na web, wireless, sem fio, banda larga...
E assim chega ao final a peleja, o desafio do menino e sua gente: violeiros e soldados, engraxates, sapateiros, taberneiros, violinistas e poetas, pai-de-santos e moleques, batuqueiros, anarquistas, comunistas, contra o destino traçado nas linhas tronchas da vida. E se isso fosse pouco, ainda teve que enfrentar, essa ave mau de agouro, esse tal de urubu, que se chama sonho blue.
E agora vai o menino, 80 janeiros tinindo, enfrentar o grande azul, olho no olho da máquina:
- E ai espelho meu, grilo falante de chips, Madame Tarabian de meia tigela, cigana cega do destino, profeta desastrado, erraste de cabo a rabo, fracassaste de fio a pavio.
Estou aqui, cheguei aqui, sou Doutor Honoris Causa da Federal do Grão Pará, orgulho meu e de muitos como eu. Não desmereço o balconista, o maquinista, o tabelião, nem mesmo o advogado, que em tua visão precisa e fria me garantiria futuro certo e de muita calmaria, mas não aceitei, resisti, me aborreci, me zanguei, me indignei, e segui seguindo, persistindo, me enxerido aqui, ali, e do Caripi, passando por tanta fábula, me vejo sentado aqui.
- Me permita, meu menino, meu espelho, espelho meu, o papel de assassino, de assassino de sonho de menino, nunca me agradou, por certo, eu cumpri programação, dever de oficio gravado no software residente nas entranhas de silício do meu hardware brilhante.
Mas tu quebraste o enigma, descobriste minha chave, violaste minha senha.
Já vou ser desativado, fui feito para não errar, isso é coisa de humano, não posso me reproduzir, eugenia cibernética.
Porém, para que não tenham sido inúteis meus terabytes de HD, meus megabytes de RAM girando em tão loucos MHz, meu coração polinucleado processando, pulsando em alucinados GHz, nos segundos que me restam, também vou me indignar, vou te contar o segredo, de sete chaves guardado, sob o meu nome escondido, para que outros vicente-meninos, aprendendo o caminho sigam desobedecendo:
O azul, de Sonho Azul, é a cor de um sonho sonhado por meninos e meninas que querem, conhecer o mundo para poder transformá-lo.
Este sonho, se sonhado, por multidão de gente muita, tem alto poder de explosão, HP, hight power, é nitroglicerina pura, são megatons de potência em alvoroçada animação.
Ninety nine, 99, são os 99%, a maioria do mundo, que segura o rojão, não foge da fera enfrenta o leão, segura a batida da vida o ano inteiro e que não corre da raia a troco de nada.
São hoje os indignados, da praça Tahrir, da Puerta del Sol, do Zuccotti Park, do Occupy Wall Street, para Ocupar o Mundo Inteiro.
Este era o enigma da esfinge cibernética.
Tu me decifraste.
Tu me devoraste.
Eu estou desprogramando.
Eu estou desprogramando.
Eu vou desligar.
Eu vou .....
Aa a a d e u s s s s.
Obrigado.
P.S.: Ainda sujeito a revisão.
P.S.: Citações de Joao Cabral, Haroldo de Campos e outras serão demonstradas em nota de rodapé.
Uma saudação como ele, multifacetada.
ResponderExcluirDigna do DOUTOR Vicente Salles.
Bravo, Flávio!